Assumindo os cabelos brancos
Uma aceitação de si mesma e dos ciclos da vida
Luisa Resttelli Jun, 2015
Pintar os cabelos pode ser algo agradável e divertido, já que a mulher tem liberdade para fazer o que quiser com seus próprios fios. Mas quando isso se torna somente uma obrigação, pode ser interessante refletir sobre o assunto.
Os cabelos simbolizam nossa força interior. Eles falam de nossa liberdade, vitalidade, criatividade e poder. Para a mulher, é um grande representante de seu poder pessoal e de sedução. Existiram épocas em que os cabelos grisalhos eram considerados bonitos e costumavam ser cultivados. Também em outros períodos e culturas a figura da anciã era respeitada e reverenciada. Por conta disso, é curioso observar como os cabelos brancos femininos são tão renegados em nossa sociedade atual. Ter cabelo branco, para muitos, virou sinônimo de descuido e desleixo, ou significa o terror da idade avançando. Poucas são as mulheres que assumem seus cabelos brancos com autoestima e segurança. A maioria se mantém na luta quinzenal de encobri-los, fingindo para o mundo (e tentando fingir para si mesma) que essa realidade não chegou a sua vida. É interessante refletirmos por que evitamos e marginalizamos tanto os tão comuns fios brancos.
Em nossa cultura atual, assumir o branco é assumir a idade e mostrar que você envelheceu, o que para nós é algo muito delicado. Em uma cultura que preza pelo jovial, a idade está sempre tentando ser escondida. Nas culturas antigas e matrifocais (organização social pré-patriarcal em que o papel materno - divino e humano - era valorizado), a mulher, considerada sagrada, era quem tinha a sabedoria mágica da natureza e dos ciclos da vida. Era respeitada por todos, em todas as suas fases: a jovem, a mãe e a anciã.
A anciã, dos cabelos brancos, é a sábia, figura de extrema importância na comunidade, respeitada e reverenciada por todos. É também aquela que se conhece profundamente e, com experiência, tem sábios conselhos, aprendendo a lidar com as questões da vida. Ela possui a sabedoria para lidar com sua sombra - aquelas partes negadas e jogadas no calabouço interno que não queremos ver - e os ensinamentos para guiar os mais jovens em seus caminhos. E esta figura de sabedoria e grande força interior é pouco reverenciada por nossa sociedade atual. A busca interior por autoconhecimento e trabalho interno costuma, muitas vezes, ficar em segundo plano também.
É preciso ter coragem para assumir quem somos, em uma sociedade na qual usamos inúmeras máscaras para a adequação e o convívio social. Nem sempre é fácil se assumir por inteiro, pois nem sempre é fácil gostar integralmente de nós mesmos. De olhar para nós a olhos nus e gostar do que vemos, até porque muitas vezes nem sabemos quem somos de fato. Mas antes de assumir quem você é, é necessário saber quem você é.
Recentemente, escutei em um programa de televisão uma fala que dizia o seguinte: “Na cidade grande você não sabe nem direito quem você é. Com tanta correria, acaba se perdendo na velocidade das coisas”. São tantas as tarefas, que muitas vezes esquecemos da nossa essência e de nossa própria verdade, nos deixando em segundo plano e assumindo as verdades que são ditas de fora. Outras são as prioridades e, ao querer ser aceito e amado pelo outro, assumimos verdades impostas para nos encaixar nos padrões e evitar rejeições.
Além de tudo isso, é interessante observar o histórico da mulher moderna. Como já dito, em culturas antigas, a mulher era considerada sagrada e reverenciada por conter em si o milagre da vida, em uma comunidade na qual a Deusa e o Sagrado Feminino eram cultuados. Com a mudança para a sociedade patriarcal, o poder da mulher foi sendo podado para a manutenção do poder no homem. Durante o período da famosa inquisição, mulheres fora dos padrões eram consideradas bruxas, perseguidas e queimadas na fogueira.
É preciso compreender esta história e perceber que este medo antigo foi sendo passado de geração a geração, a partir de então. Continuamos vivendo em uma sociedade patriarcal, apesar dos muitos avanços na busca por igualdade. Desta forma, ainda reside na mulher o enorme medo de se assumir como poderosa que é. Receio de assumir todo o seu poder feminino, que foi podado e reprimido por tanto tempo. A imagem mais comum de bruxa que temos em nossa cultura é aquela mulher mais velha, enrugada e grisalha, com uma verruga no nariz. É uma imagem que está infiltrada dentro de nós e nos faz querer fugir dessa realidade. “Vou parecer uma bruxa assim!”, muitas costumam pensar. Porém, essa mulher grisalha e com rugas faz parte do ciclo natural da vida.
Hoje em dia, isso também se tornou uma questão para a relação homem-mulher. Alguns homens, em nossa cultura, tendem a perder o interesse sexual pela mulher mais velha e de cabelos brancos. Para eles, quem tem cabelos brancos são suas avós, e o registro sexual muitas vezes se perde na cabeleira grisalha. Com isso, muitas mulheres se submetem à vontade do parceiro que não a quer assumindo seus fios. E, então, muitas vezes pintar os cabelos se torna uma obrigação conjugal. Isso continua a reforçar a submissão da mulher pelo homem, tentando se adequar e deixando de lado suas vontades, bem-estar e naturalidade, entregando a ele seu poder pessoal.
Vivemos em uma sociedade que preza pelo jovial e “perfeito”, cuja imagem ideal é a de modelos de capas de revista. Ficamos presos à imagem, à foto estática e perfeitamente estética daquele segundo tão natural aos olhos de quem só a vê pronta. Mas acreditem se quiserem, as mesmas modelos também têm ou virão a ter cabelos brancos, como também todos os ditos “defeitinhos” que passamos a vida tentando esconder, retocar, repaginar. A questão é que cada vez mais somos “metralhados” por informações que nos invadem, com a ideia de que precisamos seguir este modelo perfeito e prezar o máximo possível pelo jovial, sempre à mercê de inúmeras intervenções - das mais brandas às mais invasivas - para se manter jovem e dentro dos padrões. Vivemos em uma ditadura do corpo. Sim, uma ditadura na qual regras são ditadas e vamos seguindo sem muito questionar. E quando questionadas, poucas ainda tem a coragem de mudar.
Assumir os cabelos brancos é, no mínimo, um desafio nos dias de hoje. É interessante observar também que, atualmente, os homens estão começando um movimento de encobrir os fios brancos, para também manter sua aparência jovial. Estamos na crença de que devemos sempre parecer jovens. Ao invés de ser um processo natural do corpo, aceito e acolhido com amor e respeito por si mesmo e pelos outros, torna-se um enorme problema, a ser escondido de qualquer maneira.
Para as mulheres que resolvem assumir seus cabelos brancos, a sensação costuma ser a de se assumir por inteira e, com isso, assumir também seu poder feminino. Sentem-se mais seguras e poderosas. Isto porque elas quebram, naquele momento, o padrão de esconder quem são e “soltam” o medo da idade. Tomam as rédeas de si mesmas, com todo o seu poder pessoal.
Autoconhecimento e autoaceitação é a dupla de palavras-chave. Como podemos nos assumir sem antes nos conhecermos? A busca interior por autoconhecimento e trabalho interno é essencial. Somente conhecendo quem somos é que podemos nos aceitar e nos assumir de verdade. E neste momento em que você tem as rédeas da sua vida nas mãos, sabe quem é e conhece sua própria verdade, opta por aquilo que lhe faz feliz. E a felicidade pode estar em pintar os cabelos como quiser ou assumir seus fios naturais e grisalhos. O interessante é refletir e observar até que ponto é uma liberdade e até que ponto é uma obrigação. E fazer a escolha que mais lhe fará bem.
*Texto publicado no site Personare. Leia na íntegra aqui.